Chávez completa 10 anos no poder buscando reeleição ilimitada
Populismo, má gestão econômica e centralismo político expõem obsessão de presidente em perpetuar-se no cargo.
Por Maye Primera, do El País, no Estadão:
Em 2 de fevereiro de 1999, impulsionado pelo desejo popular de mudança, Hugo Chávez Frías chegava à presidência da Venezuela com 56% dos votos. Amparado em uma plataforma que prometia refundar o país respeitando os trâmites democráticos e beneficiado pelo boom do preço do petróleo, Chávez aumentou seu poder por meio de sucessivos plebiscitos e ganhou popularidade ao investir em programas sociais, a maioria claramente assistencialista. Dez anos depois, Chávez busca desesperadamente maneiras de continuar reinando absoluto no Palácio de Miraflores - o que reforça a tese de que jamais haverá chavismo sem Chávez. Sua próxima cartada é o referendo do dia 15, no qual os venezuelanos irão decidir se ele pode se candidatar a reeleições ilimitadas. Se perder, Chávez garante que deixa o poder e a política em 2013, quando termina o atual mandato. Se ganhar, jura que se aposenta em 2021. Pouca gente acredita nas promessas. A luta para continuar no topo, porém, não será fácil."Os melhores anos de Chávez ficaram para trás - tanto na economia quanto nas questões sociais e políticas", afirmou ao Estado, por telefone, o cientista político Sadio Garavini di Turno, da Universidade Central da Venezuela. A Venezuela de hoje é bem diferente do país que Chávez recebeu há uma década. O preço do barril do petróleo, principal produto de exportação venezuelano, chegou a aumentar dez vezes no período. Mesmo assim, o governo não investiu em infraestrutura, sufocou a iniciativa privada, inchou a máquina estatal (o número de funcionários públicos dobrou sob o chavismo) e, para tentar ganhar projeção internacional, Chávez torrou bilhões de petrodólares em ajuda a países como Cuba, Bolívia e Nicarágua. O resultado: faltam bens básicos nas prateleiras dos supermercados, a inflação anual beira os 30% e a indústria nacional vive sob o temor da nacionalização e da perseguição fiscal."Apesar de as cifras oficiais registrarem a redução da pobreza e da desigualdade social, a má gestão administrativa e o centralismo político de hoje lembram a acumulação de tensões que precedeu a deterioração econômica na década de 80", afirmou o economista Ronald Balza, da Universidade Católica Andrés Bello. Para o também economista José Toro Hardy, ex-diretor da estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA), Chávez errou ao não diversificar a economia. "Ao centralizar tudo no petróleo, o governo reduziu os investimentos em outros setores, prejudicando a produção interna", disse. "Em dez anos, perdemos quase metade das indústrias do país."Outro engano, aponta o economista, foi o aparelhamento da PDVSA após uma greve, em 2002. "Chávez substituiu os funcionários especializados por aliados políticos", afirmou Toro Hardy. Em outra canetada presidencial, o governo assumiu o caixa da PDVSA - e a estatal do petróleo passou a bancar de cestas básicas a financiamento da casa própria. Segundo Toro Hardy, a PDVSA poderia estar produzindo cerca de 5 milhões de barris de petróleo por dia, mas hoje a produção não passa de 2 milhões de barris diários.Para Balza, o auge do chavismo ocorreu em 2003. "Foi quando os preços do barril de petróleo dispararam e Chávez começou a consolidar seu poder político por meio da adoção de programas sociais direcionados aos pobres", disse. Entre os projetos implementados estão a criação das missões educacionais e de saúde, tocadas com ajuda de técnicos cubanos. Além disso, o governo tem programas de complementação de renda e financiamento de obras para grupos comunitários.Nos anos seguintes, Chávez aproveitou-se da divisão da oposição - que boicotou as eleições parlamentares de 2005 - para dar o golpe final. Uma lei aprovada na Assembleia Nacional sob seu controle ampliou o número de juízes da Suprema Corte. Assim, em pouco tempo, Chávez passou a controlar, além do Legislativo, o Judiciário. Apesar da concentração de poder, o país continua longe de ser o paraíso que a chamada "revolução bolivariana" de Chávez apregoa. Um exemplo é a corrupção. De acordo com o ranking elaborado anualmente pela ONG Transparência Internacional, a Venezuela está entre os 15 países mais corruptos do mundo - na América Latina, só perde para o Haiti.A segurança pública é outro pesadelo. Dados oficiais mostram que o número de assassinatos no país dobrou na era Chávez, atingindo uma média de 48 homicídios para cada 100 mil habitantes. Em Caracas, a violência é ainda maior: são 130 homicídios por 100 mil habitantes - no Rio de Janeiro, para efeito de comparação, a taxa é de 37 homicídios por 100 mil habitantes. Depois de perder o referendo constitucional de 2007 - sua primeira derrota eleitoral desde 1998 -, Chávez radicalizou seu discurso. A queda abrupta do preço do petróleo, no ano passado, apressou seus planos de incluir na Constituição uma emenda que permita reeleições ilimitadas para que possa concorrer novamente em 2012. A proposta estava no projeto de reforma que foi rejeitado por 50,7% dos venezuelanos em dezembro de 2007.
"Chávez fala do ? socialismo do século 21 ?, mas a Venezuela vive sob o caudilhismo do século 19", resume Garavini di Turno. Uma pesquisa divulgada na quarta-feira pelo instituto Datanalisis mostrou que Chávez teria uma vitória apertada no referendo do dia 15 - o "sim" tem 51,5% das intenções de voto, enquanto o "não" tem 48,1%.
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