Por cerca de 150 anos, o clã português Espírito
Santo construiu uma dinastia corporativa que se estende de bancos
europeus a condomínios em Miami e minas de diamante em Angola. Seu
atual patriarca foi apelidado de "Dono Disto Tudo".
Agora, esse império está em ruínas. O ativo
mais valioso da família - e segundo maior banco de Portugal-, o
Banco Espírito Santo SA, desmoronou este mês e as principais
empresas holdings do Espírito Santo entraram com pedidos de
recuperação judicial em meio a alegações de problemas contábeis
e fraudes.
O escândalo atingiu as elites políticas e
empresariais de Portugal e abalou os frágeis mercados financeiros da
Europa. A principal bolsa de valores de Portugal caiu cerca de 20%
desde que a crise no Espírito Santo se intensificou no início de
julho. O fato de os reguladores não terem descoberto os problemas da
companhia reacendeu temores de que outros bancos europeus também
possam estar em problemas.
No centro dessa história está uma pequena firma
suíça, a Eurofin Holding SA, criada há 15 anos basicamente para
lidar com as transações financeiras da família Espírito Santo e
suas empresas. Por anos, uma empresa do Espírito Santo tinha uma
fatia da Eurofin, que desempenhou um papel importante em apoiar as
finanças do Espírito Santo, segundo e-mails internos e outros
documentos analisados pelo The Wall Street Journal, assim como
antigos executivos e pessoas a par dessa relação.
Os documentos indicam que a Eurofin movimentava
dinheiro entre as empresas do Espírito Santo, frequentemente de
forma que dificultava sua identificação. Algumas operações
ocorreram no pico da crise financeira global.
Algumas vezes, uma empresa administrada pela
Eurofin era a única compradora de certos títulos do Banco Espírito
Santo, revelam registros das operações. A Eurofin ajudou a elaborar
pacotes com grandes quantidades de dívida de várias empresas do
Espírito Santo, que eram então vendidos a clientes do banco.
O presidente do banco central português, Carlos
Costa, agora diz que o embaralhamento de recursos entre as empresas
do Espírito Santo equivale a fraude. O Espírito Santo "desenvolveu
um esquema de captação fraudulento entre as empresas pertencentes
ao grupo", disse recentemente. Os reguladores portugueses
suspeitam que a Eurofin desempenhou um papel central no caso, segundo
uma pessoa a par da investigação.
A Eurofin, uma empresa de capital fechado de
Lausanne, na Suíça, afirmou por meio de um comunicado que é
"totalmente autônoma e independente" do Banco Espírito
Santo e do Grupo Espírito Santo. Ela confirmou que fez vários
negócios com empresas do Espírito Santo, mas afirmou que "sempre
atuou em total conformidade com as leis aplicáveis e os
requerimentos regulatórios". E informou que nunca distribuiu
qualquer produto financeiro para clientes de varejo. "Acredito
firmemente que nós somos o alvo errado", disse Alexandre
Cadosch, diretor-presidente da Eurofin, em uma breve entrevista ao
WSJ.
Uma porta-voz do Espírito Santo International SA,
principal holding da família, que entrou com pedido de recuperação
judicial em julho, não comentou.
O patriarca da família, Ricardo Espírito Santo
Salgado, se demitiu do cargo de diretor-presidente do Banco Espírito
Santo, de capital aberto, no mês passado. Ele recentemente foi
detido para averiguação por promotores portugueses em uma
investigação sobre lavagem de dinheiro e tem dito que "acredita
que a verdade e a justiça vão prevalecer". Um porta-voz disse
que ele só falaria quando o Banco de Portugal concluir a
investigação.
Ricardo Espírito Santo
Salgado
A dinastia Espírito Santo nasceu com uma casa de
câmbio em Lisboa, aberta em 1869 por José Maria do Espírito Santo
e Silva. A empresa acabou se tornando o Banco Espírito Santo e se
expandiu para além do setor bancário, virando um império global
que inclui imóveis, hotéis, ativos de saúde, energia e
agricultura. Salgado assumiu como diretor-presidente do banco em
1991.
Em 1999, a crescente fortuna da família levou à
criação de uma entidade separada, a Eurofin Services,
principalmente para administrar as transações financeiras do clã,
segundo antigos executivos da Eurofin. Ela foi fundada por Cadosch,
na época vice-presidente de um fundo fiduciário do Espírito Santo.
Logo, a Eufrin se expandiu para administrar fundos de outras famílias
ricas.
A família Espírito Santo, através de uma
empresa chamada Espírito Santo Resources, era proprietária de 23%
da Eurofin. Seu segundo maior acionista, com 22% do capital, era o
promotor de corridas de barcos, Nicolo di San Germano.
A Eurofin administrava diversos fundos de
investimento que eram vendidos aos clientes do private bank suíço
do Espírito Santo, segundo documentos da Eurofin e um ex-executivo.
Um fundo de ações da Eurofin tinha como seus dois principais
investimentos fatias no Banco Espírito Santo e no Espírito Santo
Financial Group SA, segundo material de marketing da empresa.
A Eurofin administrava mais de 1,4 bilhão de
francos suíços (US$ 1,6 bilhão) em ativos para empresas do
Espírito Santo, representando a maior parte dos ativos totais sob
gestão da Eurofin em 2010, segundo e-mail interno da Eurofin.
Em 2009, um executivo sênior da Eurofin, Michel
Creton, escreveu a colegas alertando-os que um executivo de banco não
era "amigável" em relação à Eurofin devido ao seu
aparente papel de servir como um veículo financeiro para propósitos
específicos. Creton não respondeu a pedidos de comentário. No
mesmo ano, a família Espírito Santo vendeu sua participação na
Eurofin, segundo a empresa. Di San Germano se tornou o acionista
majoritário da empresa.
Di San Germano diz que ainda está tentando
entender o que aconteceu. "Foi de fato uma grande, grande
surpresa", disse.
Mas as relações entre a Eurofin e o Espírito
Santo continuaram fortes.
No fim de 2009, o Banco Espírito Santo criou uma
mesa de operações em Lisboa chamada Tulipa. Sua missão principal
era vender os papéis de dívida emitidos por várias partes do Grupo
Espírito Santo, segundo um memorando da Eurofin. Questionada sobre a
Tulipa, a Eurofin afirmou que em 2010 "ela estabeleceu um
intermediário para fornecer serviços de intermediação como
organizador para clientes institucionais, mas que esses serviços
nunca foram prestados a clientes do varejo pela Eurofin".
A Eurofin também ajudou a administrar dois fundos
de investimentos registrados nas Ilhas Virgens britânicas, chamados
EG Premium e Zyrcan. Os dois fundos compravam e vendiam ativos
regularmente e emprestavam dinheiro entre si, assim como para
empresas do Espírito Santo, segundo documentos internos dos fundos.
Em meados de 2009, o Banco Espírito Santo emitiu
títulos com valor de face de 1,8 bilhão de euros (US$ 2,4 bilhões).
O Zyrcan foi o único comprador e rapidamente vendeu os papéis por
até o triplo do que pagou, segundo registros das operações.
No início de 2012, o banco francês Société
Générale queria saber mais sobre as transações que a instituição
estava processando entre a Eurofin e empresas do Espírito Santo,
segundo uma fonte. Quando não obteve resposta, o banco francês
parou de atuar como intermediário, disse a pessoa.
As coisas começaram a desmoronar no fim de 2013.
Em novembro, os reguladores portugueses limitaram o valor que os
fundos poderiam investir em entidades afiliadas com os gestores dos
fundos. O WSJ divulgou em dezembro que as práticas contábeis do
Espírito Santo Internacional eram questionáveis para alguns
especialistas. Na ocasião, o banco defendeu suas práticas
contábeis.
O Banco de Portugal determinou que o Banco
Espírito Santo reduzisse sua exposição a outras empresas do grupo
e que a KPMG LLP fizesse auditoria nos livros contábeis da Espírito
Santo International. No primeiro semestre deste ano, a KPMG informou
ao Banco de Portugal que havia detectado várias "irregularidades"
contábeis, segundo o próprio banco central. Entre os episódios
mais recentes, o Banco de Portugal anunciou em 3 de agosto um pacote
de socorro ao banco.
Em 18 de julho, a Espírito Santo Internacional
entrou com pedido de recuperação judicial em Luxemburgo.
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