Traições, alianças rompidas, censura e crise econômica minaram hegemonia local
do ex-governador.
Há quatro anos, o maior líder político mineiro das últimas duas décadas dava
sua primeira cartada para lançar-se à tão sonhada Presidência da
República. Aécio Neves acabava de ser eleito presidente nacional
do PSDB, com quase 100% dos votos. O ato simbólico de largada para assumir
a cadeira que o avô Tancredo esteve prestes a ocupar no período da
redemocratização encobria, no entanto, a incipiente perda de força do tucano em
seu reduto eleitoral. A gravação de Joesley Batista, que flagra Aécio
pedindo propina de 2 milhões de reais, é apenas o golpe de misericórdia sobre o
corroído capital político que restava ao ex-presidenciável depois de ter sido
engolido pelas delações da Odebrecht na Operação Lava Jato.
Desde que iniciou o primeiro mandato como governador, em 2003, o neto de
Tancredo adotou um perfil distinto do avô, que notabilizou-se pela liderança
personalista. Embora tentasse se vender como estadista, Aécio tinha como
virtude a repartição do poder em diversas frentes, sobretudo no interior de
Minas Gerais. “Aécio é um facilitador, nunca foi protagonista”, afirma o
cientista político Rudá Ricci. Com maioria na Assembleia Legislativa e o
controle do orçamento, o governador conseguia direcionar recursos para núcleos
sob sua influência no estado, que reuniam não só a base aliada, mas também
políticos identificados com o governo federal.
A afinidade com a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não
demonstrava puramente o estilo pacificador, mas também uma estratégia para
ampliar seu campo de atuação. “O aecismo, que se formou em torno de um
quebra-cabeça, tinha a capacidade de aglutinar forças antagônicas. Dava poder a
partidos de oposição e conciliava famílias rivais pelo interior. Depois de sua
experiência como deputado federal, Aécio levou a pequena política do baixo
clero do Congresso para o estado. Essa estrutura lhe garantiu por muitos anos
um status de intocável”, analisa Ricci. A favor do tucano também pesava a
juventude e a projeção nacionalque ganhara como presidente da Câmara dos Deputados.
“Depois de Tancredo, Aécio foi o primeiro representante do executivo mineiro
com envergadura de presidenciável”, diz Bruno Reis, professor de ciências
políticas da Universidade Federal de Minas Gerais. “Ele simbolizava as
pretensões da elite e dos setores econômicos.”
Para consolidar sua força, a verve aglutinadora de Aécio alcançou proezas que o
conduziram ao pedestal de um semideus. Primeiro, uniu PSDB e PT para emplacar o
desconhecido Márcio Lacerda, do PSB, na prefeitura de Belo Horizonte. Em
seguida, garantiu a eleição de Antonio Anastasia, sem nenhum lastro na
política, como seu sucessor no governo enquanto se lançava ao Senado. A esta
altura, ele já havia protagonizado os fenômenos “Lulécio” e “Dilmécio”, em que
vários prefeitos do interior apoiavam o PSDB no estado e, ao mesmo tempo, o PT,
no plano nacional. As seguidas mostras de domínio nas entranhas mineiras o
deixaram confiante para resgatar o ex-ministro Pimenta da Veiga do ostracismo e
escolhê-lo para a sucessão de Anastasia em 2014.
Segundo antigos aliados, esse teria sido o erro capital de sua trajetória
política. A escolha foi vista como uma traição ao deputado federal Marcus
Pestana, regente de um importante núcleo eleitoral na Zona da Mata mineira e
candidato natural ao governo. “O Aécio não traiu somente o Marcus Pestana, mas
toda a rede que ele liderava no interior, que foi rapidamente desarticulada. Na
campanha, havia prefeitos ligados ao Pestana posando para fotos com o Fernando
Pimentel [candidato do PT que acabou superando Pimenta da Veiga no primeiro
turno]. Foi um erro grosseiro de cálculo político”, afirma Ricci. Para Bruno
Reis, “as conquistas que obteve em Minas subiram um pouco à cabeça de Aécio,
que cedeu à tentação de tirar um nome do bolso do colete para se manter
influente no governo”.
Deterioração do aecismo.
Em pouco mais de uma década à frente do executivo, a
administração que propalava o famoso “choque de gestão” fez de Minas o segundo
estado mais endividado do país e perdeu o fôlego para investimentos em
áreas-chave como saúde, segurança e educação. “O modelo do Aécio se restringia
às relações econômicas e negligenciava as políticas. A partir do momento em que
se fecha a torneira e o dinheiro acaba, essa estrutura não se sustenta mais”,
avalia Ricci. Do Congresso, em meio à guerra declarada com o PT e a
concentração de esforços para derrubar Dilma, Aécio tampouco conseguia atender
às demandas estaduais com emendas parlamentares, o que desagradava ainda mais
os apoiadores que seguiam ao seu lado após a derrota. “Aécio sempre foi
um insider da política, de postura centrista”, diz Reis. “Ao partir
para o ataque contra o PT, ele saiu de seu hábitat e fez do impeachment a
última cartada pela presidência. Mas, como tinha retaguarda vulnerável, acabou
se expondo demais.”
Nesse ponto, a corrida presidencial deixou feridas jamais
escancaradas em seu berço eleitoral. Contando com a mão de ferro da irmã Andréa
Neves, que desempenhou o papel informal de articuladora política durante o
governo, Aécio domava a grande imprensa mineira de acordo com seus interesses.
Tinha relacionamento próximo com proprietários de meios de comunicação, como
Flávio Jacques Carneiro, antigo dono do jornal Hoje em Dia, que, segundo
delação de Joesley Batista, teria se reunido com o empresário para tratar de propinas
destinadas à campanha do tucano. O bom trânsito na imprensa do estado,
historicamente alinhada a governos de diferentes orientações partidárias,
somado à dependência das verbas de publicidade estatal, construiu uma blindagem
praticamente impenetrável em torno de Aécio. Vários jornalistas mineiros
despedidos durante a proeminência do aecismo atribuem a demissão a exigências
de Andrea Neves. De acordo com o Sindicato de Jornalistas de Minas Gerais, ela
“exercia forte controle sobre as publicações no estado e perseguia críticos de
Aécio”.
Horas depois da prisão de Andrea, que teria negociado pessoalmente com Joesley
os 2 milhões de propina repassados por meio de Frederico Costa, primo de Aécio,
dezenas de jornalistas promoveram um encontro no sindicato para celebrar o que
chamaram de “Dia da Liberdade de Imprensa em Minas Gerais”. Foi justamente
nesse contexto de insatisfação velada nas redações que tornou-se praxe ao longo
da campanha presidencial o que repórteres apelidaram, em tom irônico, de “tráfico
de matérias”. Muitas vezes guiados pela autocensura, a fim de evitar colocar o
próprio emprego em risco, profissionais repassavam informações que pudessem
comprometer Aécio a veículos de outros estados. Jornais nacionais começaram,
então, a publicar reportagens que dificilmente ganhariam espaço em Minas, como
a história do aeroporto construído com recursos públicos em um terreno da
família do senador, na cidade de Cláudio.
Fora da zona de conforto, diante de uma artilharia que nunca havia
experimentado, Aécio e o clã liderado por Andrea Neves reagiam de forma pouco
republicana à circulação de notícias negativas que afetavam até mesmo o lado
mais íntimo do senador. No começo de 2014, por exemplo, a Justiça negou um
pedido para barrar buscas na internet que relacionavam o nome de Aécio ao uso
de drogas. A imagem desgastada também comprometeu a capacidade de angariar
recursos para as campanhas do PSDB no estado, tanto que o pleito à Presidência
deixou uma dívida superior a 15 milhões de reais para o partido. Ainda segundo
a delação de Joesley, a JBS teria repassado pelo menos 60 milhões de reais em
propinas para a campanha de Aécio. “Esse escândalo é a concretização do
desgaste que se desenhava há alguns anos. O declínio de Aécio deixa um vácuo de
lideranças políticas sem precedentes na história de Minas”, afirma Rudá Ricci.
Por determinação do Supremo Tribunal Federal, Aécio Neves foi afastado do
cargo no Senado, pode ter o mandato cassado e ainda é acusado de tentar
obstruir investigações da Lava Jato. A defesa do tucano alega que o pedido a
Joesley se tratava meramente de um empréstimo para fins pessoais.