Por Reinaldo Azevedo
Volto ao trabalho na segunda, mas antecipo um
texto que, dado o que leio por aí, me parece necessário. O
terrorismo islâmico sequestrou boa parcela da consciência do
Ocidente. Antes que se impusesse por intermédio da brutalidade e da
barbárie, seus agentes voluntários e involuntários fizeram com que
duvidássemos dos nossos próprios valores. Antes que matassem nossas
crianças, nossos soldados, nossos jornalistas, nossos chargistas,
nossos humoristas, atacaram, com a colaboração dos pusilânimes do
lado de cá, os nossos valores. “Nossos, de quem, cara-pálida?”,
perguntará um dos cretinos relativistas do Complexo Pucusp. Os do
Ocidente cristão e democrático.
Mesmo gozando de merecidas férias, comprometido
principalmente com o nascer e o pôr do sol, acompanhei o que se
noticiou no Brasil e no mundo sobre o ataque covarde ao jornal
francês “Charlie Hebdo”, que deixou 12 mortos na França. Na
nossa imprensa e em toda parte, com raras exceções, a primeira
preocupação, ora vejam!!!, era não estimular a “islamofobia”,
uma mentira inventada pela máquina de propaganda dos centros
culturais de difusão do Islã no Ocidente. Nota à margem: a “fobia”
(se querem dar esse nome) religiosa que mais mata hoje é a
“cristofobia”. Todo ano, mais ou menos 100 mil cristãos são
assassinados mundo afora por causa de sua religião. E não se ouve a
respeito um pio a Orientes e Ocidentes.
Uma curiosidade intelectual me persegue há
tempos: por que cabe ao Ocidente cristão combater a suposta
“islamofobia”? Por que as próprias entidades islâmicas também
não se encarregam no assunto? Sim, muitas lideranças mundo afora
repudiaram o ataque ao jornal francês, mas sugerindo, com raras
exceções, nas entrelinhas, que se tratava de uma resposta injusta e
desproporcional a uma ofensa que de fato teria sido desferida contra
o Islã e o Profeta. E então chegamos ao cerne na questão.
Sou católico. As bobagens e ignorâncias que se
dizem contra a minha religião — e já faz tempo que o ateísmo
deixou de ser um ninho de sábios —, com alguma frequência, me
ofendem. E daí? Há muito tempo, de reforma em reforma, o
catolicismo entendeu que não é nem pode ser estado. A religião
que nasceu do Amor e que evoluiu, sim, para uma organização de
caráter paramilitar, voltou ao seu leito, certamente não tão pura
e tão leve como nos primeiros tempos, maculada por virtudes e vícios
demasiadamente humanos, mas comprometida com a tolerância, com a
caridade, com a pluralidade, buscando a conversão pela fé.
Não é assim porque eu quero, mas porque é: o
islamismo nasce para a guerra. Surge e se impõe como organização
militar. Faz, em certa medida, trajetória contrária à do
catolicismo ao se encontrar, por um tempo ao menos, com a ciência,
mas retornando, pela vontade de seus líderes, ao leito original.
Sim, de fato, ao pé da letra, há palavras de paz e de guerra, de
amor e de ódio, de perdão e de vingança tanto no Islã como na
Bíblia. De fato, também no cristianismo, há celerados que fazem
uma leitura literalista dos textos sagrados. E daí? Isso só nos
afasta da questão central.
Em que país do mundo o cristianismo, ainda que
por intermédio de seitas, se impõe pela violência e pelo terror?
Em que parte da terra a Bíblia é usada como pretexto para matar,
para massacrar, para… governar? É curioso que diante de atos
bárbaros como o que se viu na França, a primeira inclinação da
imprensa ocidental também seja demonstrar que o Islã é pacífico.
Desculpem-me a pergunta feita assim, a seco: ele é “pacífico”
onde exatamente?
Em que país islâmico, árabe ou não, os adeptos
dessa fé entendem que os assuntos de Alá não devem se misturar com
os negócios de estado? À minha moda, sou também um
fundamentalista: um fundamentalista da democracia. Por essa razão,
sempre que me exibem a Turquia como exemplo de um país
majoritariamente islâmico e democrático, dou de ombros: não pode
ser democrático um regime em que a imprensa sofre perseguição de
caráter religioso — ainda que venha disfarçada de motivação
política, não menos odiosa, é claro!
Cabe às autoridades islâmicas, das mais variadas
correntes, fazer um trabalho de combate à “islamofobia”. E a
fobia será tanto menor quanto menos o mundo for aterrorizado por
fanáticos. Ora, não é segredo para ninguém que o extremismo
islâmico chegou ao Ocidente por intermédio de “escolas” e
“centros de estudo” que fazem um eficiente trabalho de
doutrinação, que hoje já não se restringe a filhos de imigrantes.
A pregação se mistura à delinquência juvenil, atraída — o que
é uma piada macabra — pela “pureza” de uma doutrina que não
admite dúvidas, ambiguidades e incertezas.
Ainda voltarei, é evidente, muitas vezes a esse
assunto, mas as imposturas vão se acumulando. Há, sim, indignação
com o ocorrido, mas não deixa de ser curioso que a imprensa
ocidental tenha convocado os chargistas a uma espécie de reação.
Sim, é muito justo que estes se sintam especialmente tocados, mas
vamos com calma! O que se viu no “Chalie Hebdo” não foi um
ataque ao direito de fazer desenhos, mas ao direito de ter uma
opinião distinta de um primado religioso que, atenção!, une todas
as correntes do Islã.
É claro que um crente dessa religião tem todo o
direito de se ofender quando alguém desenha a imagem do “Profeta”
— assim como me ofendo quando alguém sugere que Maria não passava
de uma vadia, que inventou a história de um anjo para disfarçar uma
corneada no marido. Ocorre que eu não mato ninguém por isso! Ocorre
que não existem líderes da minha religião que excitam o ódio por
isso. Se um delinquente islâmico queima uma Bíblia, ninguém
explode uma bomba numa estação de trem.
E vimos, sim, a reação dos chargistas, mas, como
todos percebemos, quase ninguém se atreveu a desenhar a imagem do
“Profeta” — afinal de contas, como sabemos, isso é proibido,
não é? Que o seja em terras islâmicas, isso é lá problema deles,
mas por que há de ser também naquelas que não foram dominadas
pelos exércitos de Maomé ou de onde eles foram expulsos?
Tony Barber, editor para a Europa do “Financial
Times”, preferiu, acreditem, atacar o jornal francês. Escreveu
horas depois do atentado: “Isso [a crítica] não é para desculpar
os assassinos, que têm de ser pegos e punidos, ou para sugerir que a
liberdade de expressão não deva se estender à sátira religiosa.
Trata-se apenas de constatar que algum bom senso seria útil a
publicações como como ‘Charlie Hebdo’ ou ‘Jyllands-Posten’
da Dinamarca, que se propõem a ser um instrumento da liberdade
quando provocam os muçulmanos, mas que estão, na verdade, sendo
apenas estúpidos”.
Barber é um vagabundo moral, um delinquente, e
essa delinquência se estende, lamento, ao comando do “Financial
Times”, que permitiu que tal barbaridade fosse publicada. Alguém
poderia perguntar neste ponto: “Mas onde fica, Reinaldo, o seu
compromisso com a liberdade de expressão se acha que o texto de
Barber deveria ser banido do FT?”. Respondo: a nossa tradição,
que fez o melhor do que somos, não culpa as vítimas, meus caros.
Barber usa a liberdade de expressão para atacar os fundamentos da…
liberdade de expressão.
Todas as religiões podem ser praticadas
livremente nas democracias ocidentais porque todas podem ser
igualmente criticadas, inclusive pelos estúpidos. Mas como explicar
isso a um estúpido como Barber, um terrorista que já está entre
nós?
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