Às vésperas da celebração dos 10 anos da Descoberta dos
Cofres Federais, a presidente da República animou a quermesse do PT com outra
notícia assombrosa: falta muito pouco para a completa erradicação da miséria em
território nacional. “Mais 2,5 milhões de brasileiras e brasileiros estão
deixando a extrema pobreza”, informou Dilma Rousseff em 17 de fevereiro.
Eram os últimos indigentes cadastrados pelo governo federal.
Graças aos trocados distribuídos pelo programa Brasil Carinhoso, todos passaram
a ganhar R$ 71 por mês. E só é miserável quem ganha menos de R$ 70. Passou
disso, é pobre. Nesta segunda-feira, depois de cumprimentar-se pela façanha,
Dilma reiterou que o miserável-brasileiro só não é uma espécie extinta porque
cerca de 500 mil famílias em situação de pobreza extrema estão fora do chamado
Cadastro Único de Programas Sociais.
Como nem sabe quem são, quantos são e onde moram esses
miseráveis recalcitrantes, o governo ainda não pôde transferi-los para a
divisão superior. “O Estado não deve esperar que essas pessoas em situação de
pobreza extrema batam à nossa porta para que nós os encontremos”, repetiu no
Café com a Presidenta. Até dezembro de 2014, prometeu, o governo encontrará um
por um.
Queiram ou não, estejam onde estiverem ─ num cafundó da
Amazônia ou no mais remoto grotão do Centro-Oeste ─, todos serão obrigados a
subir na vida. Enquanto isso, perguntam os que não perderam o juízo, que tal
resolver a situação dos incontáveis pedintes visíveis a olho nu, o dia inteiro,
nas esquinas mais movimentadas de todo o país?
O que espera a supergerente de araque para estender os
braços do governo às mãos de crianças que vendem balas, jovens com malabares,
adultos que limpam parabrisas sem pedir licença, mulheres que sobraçam bebês,
velhos hemiplégicos e outros passageiros do último vagão? Porque não são
miseráveis, informam os especialistas em ilusionismo estatístico a serviço dos
farsantes no poder.
Desde maio de 2012, por decisão do Planalto, vigora a
pirâmide social redesenhada pelo ministro Wellington Moreira Franco, chefe da
Secretaria de Assuntos Estratégicos. Segundo esse monumento ao cinismo, a faixa
dos miseráveis abrange quem ganha individualmente entre zero e R$ 70 reais. A
pobreza vai de R$ 71 a R$ 250. A classe média começa em R$ 251 e a acaba em R$
850.
Os que embolsam mais de R$ 851 são ricos, e é nessa
categoria que se enquadram milhares de seres andrajosos que se plantam de manhã
à noite nos principais cruzamentos. Em São Paulo, esmolando oito horas por dia,
cada um ganha de R$ 35 a R$ 40. Quase todos rondam os R$ 1.200 por mês. São,
portanto, pedintes de classe média. Caso melhorem a produtividade, logo serão
mendigos milionários.
Os analfabetos são quase 13 milhões, há mais de 30 milhões
de analfabetos funcionais, a rede de ensino público está em frangalhos. Metade
da população não tem acesso a serviços básicos de saneamento, o sistema de
saúde pública é indecente. As três refeições diárias prometidas por Lula em
fevereiro de 2003 nunca desceram do palanque, um oceano de desvalidos tenta
sobreviver com dois reais e alguns centavos por dia.
De costas para o mundo real, os vigaristas no comando seguem
fazendo de conta que o Primeiríssimo Mundo é aqui. O pior é que uma imensidão
de vítimas do embuste parece acreditar na existência do Brasil Maravilha
registrado em cartório. E vota nos gigolôs da miséria com a expressão
satisfeita de quem vive numa Noruega com muito sol e Carnaval.
Essa parceria entre a esperteza e a ignorância faz milagres.
Depois de inventar o pobre que sobe para a classe média sem sair da pobreza,
inventou agora o ex-miserável que não tem onde cair morto. Vai acabar
inventando o mendigo magnata.
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