sábado, 1 de outubro de 2011

Imprensa - Lei da mordaça

Setembro de 2011: Juíza proíbe revista Viver Brasil de circular em função das denúncias de improbidade administrativa contra o prefeito de Nova Lima, Carlos Rodrigues (PT)

 

Passados mais de 40 anos da publicação do AI-5, que marcou o período mais duro do regime militar no Brasil, a Viver Brasil torna-se vítima de um ato de censura. A juíza substituta Adriana Garcia Rabelo, da 1ª instância de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, proibiu, por meio de liminar de 6 de setembro, a circulação de exemplares da 65ª edição da revista no município. O recurso judicial, interpretado por autoridades, entidades de classe e instituições de defesa do Estado de Direito como uma tentativa de amordaçar a imprensa, foi apresentado pelo prefeito da cidade, Carlos Roberto Rodrigues (PT), mais conhecido como professor Carlinhos.
A reportagem, intitulada “Mina de Denúncias”, trata de supostas irregularidades do político à frente da administração municipal. Publicada em 26 de agosto, a matéria diz que o prefeito é acusado de desvio de dinheiro público, dispensa de licitação, superfaturamento de obras, doação irregular de terrenos e até de recebimento de propina pelos principais órgãos de combate à corrupção no país: Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Polícia Federal.
Diante da decisão da magistrada, a Viver Brasil foi obrigada a recolher exemplares e a retirar a notícia da sua página na internet. A juíza Adriana Rabelo, que também indeferiu o pedido de afastamento de Carlos Roberto Rodrigues do cargo por improbidade administrativa, feito pelos promotores Ivana Andrade, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Nova Lima, e Daniel Sá Rodrigues, do Grupo Especial do Patrimônio Público (Gepp), escreveu em seu despacho que a revista incorreu em “abuso da liberdade de imprensa”.
Em seu despacho, a juíza não só suspendeu a circulação da edição 65 da Viver Brasil como estendeu a restrição a “qualquer ato que possa ou venha ofender a imagem e a honra do requerente por qualquer meio, inclusive outdoors, sob pena de multa a ser fixada”.
Para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a decisão de Adriana Rabelo é um caso flagrante de censura prévia. “Causa preocupação que o ataque à liberdade de expressão venha não de forças alheias ao Estado, mas do próprio Judiciário. A imprensa livre é fundamental em qualquer democracia”, afirma, por meio de nota. O documento da Abraji diz ainda que, no Brasil, tanto a legislação penal quanto a civil preveem mecanismos para reparar danos a reputações e privacidades. “É a esses mecanismos que deve recorrer o cidadão que se sente ofendido por qualquer reportagem. A associação espera que o Judiciário reveja seu posicionamento neste e em todos os casos análogos”, finaliza.
O presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), Roberto Muylaert, considera o caso “gravíssimo” e repudia de forma enérgica a medida liminar. “Tal decisão judicial fere de maneira frontal a Constituição Federal do Brasil, que não admite qualquer tipo de censura em seu artigo 220, parágrafos 1º e 2º. Por isso consideramos que tal determinação afronta os direitos e garantias fundamentais da livre manifestação do pensamento”, ressalta.
Já a vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, lembra que é um dos papéis do profissional de comunicação fazer denúncias contra agentes públicos, sejam eles prefeitos, governadores, presidentes da República ou membros do Judiciário. “O bom jornalismo está a serviço dos interesses maiores da sociedade e deve ser exercido com ampla liberdade e responsabilidade. Além do mais, a Constituição Brasileira é clara ao estabelecer que não haverá censura prévia no país e o que a juíza faz é desconhecer o princípio constitucional”, frisa Maria José.
Ainda segundo a vice-presidente da entidade, a censura imposta pela magistrada de Nova Lima é mais um atentado à liberdade de imprensa no Brasil, perpetrado pelo Poder Judiciário. “A Fenaj não exige que os membros do Judiciário brasileiro compreendam o fazer jornalístico e a importância do jornalismo para a democracia e a constituição da cidadania, mas não pode admitir que o judiciário continue a ser instrumento de censura a jornalistas e a veículos de comunicação”, ataca.
A atitude de impor um psiu à revista também foi repudiada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG). “A Constituição Brasileira não delegou ao Judiciário poder extraordinário para exercer papel de censor. Dessa maneira, o SJPMG vem reafirmar sua indignação diante de mais um ato de representantes do Judiciário que, indo na contramão das conquistas civilizatórias do povo brasileiro, ataca a Carta Magna e o Estado Democrático de Direito”, diz a nota oficial.
O presidente da seccional mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), Luís Cláudio Chaves, manifestou que a entidade é contra qualquer apreensão de material jornalístico, visto que a censura, mediante impedimento de distribuição de obra literária ou de veículo de informação, está na contramão das liberdades democráticas garantidas pela Constituição. “A liberdade de imprensa é um principio fundamental, sendo garantia de todo cidadão o direito à informação. E a pessoa que se sentir lesada diante de uma informação, tem o direito de resposta assegurado pela jurisprudência, bem como a eventual reparação dos danos.”

Associação Nacional dos Jornais (ANJ) também criticou a sentença. “É mais um caso absurdo de censura judicial”, afirmou Ricardo Pedreira, diretor executivo da entidade, em entrevista ao O Estado de S. Paulo. No dia 15 de setembro, com o título “Em Minas Gerais, revista é obrigada a recolher edição”, o jornal publicou matéria sobre a censura em território mineiro. Vários jornalistas renomados e sites especializados também repercutiram o assunto. Assinado por José Cleves, editor do jornal A Notícia, de Nova Lima, o texto “A perigosa (e execrável) censura da revista Viver Brasil” ganhou espaço no site Observatório da Imprensa, website e programa de rádio e TV cujo foco é a análise da atuação dos meios de comunicação em massa no país. O mesmo artigo também mereceu destaque no blog do jornalista Luis Nassif.
Âncora do Grupo Bandeirantes, Ricardo Boechat dedicou, no último dia 16, vários minutos de seu programa matinal na BandNews para comentar a reportagem “Mina de Denúncias” e criticar a sentença da juíza. O caso ainda foi estampado no Portal Imprensa, desta vez, com a chamada “revista Viver Brasil é censurada em cidade mineira”.
Políticos mineiros também consideraram a decisão judicial um atropelo à democracia. “Sou contra qualquer medida que traga controle da mídia. É o que manda a Constituição”, resumiu o ex-ministro das Comunicações Hélio Costa. O presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Léo Burguês, condenou a tentativa de abafar fatos que devem ser públicos. “Nos tempos da ditadura, vivemos o temor da censura na imprensa. Não podemos admitir que o Brasil retroceda com relação à democracia conquistada”, frisou. O ex-senador Arlindo Porto engrossa o coro antimordaça: “Estamos em um processo democrático. Não é privando a circulação de órgãos de imprensa que as verdades não serão colocadas. Cabe ao cidadão conhecer, avaliar e julgar”, declarou. O departamento jurídico da Viver Brasil está analisando o caso e, em breve, adotará as medidas cabíveis. Procurada, a juíza Adriana Rabelo não quis se pronunciar sobre o assunto.   

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