Norberto Odebrecht
Por Nelson Niero | Valor Econômico
Fundador da Organização Odebrecht transformou
os negócios da família, um amontoado de dívidas nos anos 40, na
construtora que daria origem ao conglomerado.
Quando publicou, em 1983, os três volumes de
"Sobreviver, Crescer e Perpetuar", Norberto Odebrecht fez
mais do que colocar no papel sua filosofia de administração de
empresas. Em meio a dezenas de teóricos que anunciam suas fórmulas
e receitas com frequência intimidadora nas livrarias, pode-se dizer
que, a seu favor, Norberto tinha o instinto do empreendedor e
décadas de experiência no comando de um dos mais importantes
grupos empresariais do país. O fundador do grupo Odebrecht não
esperou para pegar a onda dos manuais de gestão empresarial e
desprezava os que viviam de "modismo em modismo", os
"colonizados culturais", aqueles que "aceitam, sem
crítica, termos novos que vêm do exterior, cunhados sob medida
para quem não sabe fazer acontecer e tampouco sabe o que está
acontecendo".
Perto de completar 94 anos, em outubro, o
presidente de honra da Organização Odebrecht morreu no sábado por
complicações cardíacas, em Salvador. Foi enterrado ontem, no
Cemitério Campo Santo, na capital baiana.
Norberto, mais do que tudo, fazia acontecer - e
sua receita era manter "a base que nunca muda", porém sem
tirar os olhos do futuro. Ele antecipou temas como a "geração
de valor para o acionista", frase hoje repetida à exaustão
por executivos em todos os quadrantes, e pregou que o patrimônio
intangível - principalmente a marca - era mais importante que os
ativos que podem ser trocados. É o conceito que os profetas da
internet viriam a defender com veemência em anos recentes, mas não
exatamente o que se esperaria do dono de uma construtora.
O grupo Odebrecht, pode-se dizer, foi fruto da
combinação entre a tradição de uma empresa familiar e a nova
visão de negócios de Norberto. Em 1944, quando fundou a empresa
que viria a ser a Construtora Norberto Odebrecht, ele já tinha uma
herança de quase cem anos de engenharia.
A família Odebrecht chegou ao Brasil na década
de 1850, imigrantes alemães que vieram para o Vale do Itajaí, em
Santa Catarina. O bisavô de Norberto era engenheiro, assim como seu
pai, Emílio.
Quando ainda era estudante da Escola Politécnica
de Salvador, no começo da década de 40, Norberto assumiu os
negócios da família, que, naquele momento, não passavam de um
amontoado de dívidas que se acumularam com o aumento dos preços
dos materiais de construção durante a Segunda Guerra. Sobreviver
era o primeiro passo. Norberto substituiu o pai no comando da Emílio
Odebrecht & Cia nesse momento em que a importação de materiais
era inviável e os preços chegavam a subir assustadores 1.000%. Não
houve como impedir que o patrimônio de seu pai fosse parar nas mãos
do Banco da Bahia.
Norberto não só negociou com os credores como
buscou a colaboração e a cumplicidade dos clientes, para repartir
eventuais aumentos de materiais - "vendo, tratando e pelejando"
com os clientes, como costumava dizer -, e dos mestres de obras, que
passaram a atuar com mais autonomia e a ter responsabilidade pelos
resultados.
Era o início da filosofia gerencial de Norberto,
segundo a qual todos que fazem parte do grupo têm de ser
empresários, têm de se sentir donos do negócio. E foi assim que
ele formou muitos "parceiros" e "líderes", de
estagiário a presidente. São executivos como Maurício Botelho,
que comandou a Embraer, um dos "graduados" ilustres da
escola de Odebrecht. Foi a escola também, como manda a tradição
da família, do filho Emílio, hoje presidente do conselho do grupo,
que começou como estagiário na década de 60 - período crucial
para o desenvolvimento do grupo.
Depois de passar da fase de recuperação e
sobrevivência, a filosofia de Odebrecht teve que vencer o teste do
crescimento, que começou com os investimentos da Sudene no
Nordeste, e continuou na década de 70 com as grandes obras, como o
aeroporto do Galeão, que vieram no rastro do "milagre
econômico" perpetrado pelo governo militar.
Naquele período, o bom relacionamento com os
governantes rendeu obras de vulto e presença em quase todo o país.
Isso colocou a pequena Construtora Odebrecht dos anos 40 no caminho
de se tornar uma gigante multinacional, a Organização Odebrecht,
como viria a ser conhecida depois. Além da construtora e da
Braskem, o conglomerado atua, hoje, em setores como mineração,
concessões públicas, mercado imobiliário, agroindústria,
ambiente e setor naval. Segundo a publicação "Valor Grandes
Grupos" publicada em dezembro de 2013, com base em dados de
2012, era o 6º maior grupo do país, com receita bruta de R$ 84, 4
bilhões. O faturamento foi de R$ 96,9 bilhões em 2013, quando os
investimentos somaram R$ 12, 8 bilhões. A organização é
presidida por Marcelo Odebrecht, neto do fundador, e está presente
em 23 países.
O estreito relacionamento das empreiteiras com os
políticos era a chave para um setor com forte dependência do
Estado, mas acabou trazendo dissabores quando várias delas,
incluindo a Odebrecht, foram citadas no escândalo do impeachment do
presidente Fernando Collor por conta das colaborações de campanha.
Na foto: Norberto com o filho Emílio e o neto Marcelo
Quando Norberto transferiu a presidência para o
filho Emílio, em 1991, a Odebrecht já tinha uma atuação
internacional, principalmente na América Latina, África e Europa,
o que reduziu a dependência das obras públicas no país - que
haviam escasseado durante "década perdida" dos anos 80. O
grupo também já estava avançado no processo de diversificação,
que culminou com compra, em associação com o grupo Mariani, da
central de matérias-primas do polo de Camaçari, a Copene (hoje
Braskem).
Com Emílio no comando, Norberto assumiu
presidência do conselho de administração, cargo que, 1998, também
transferiu para o filho. Passou a ser presidente de honra da
Odebrecht S.A., além de presidente do conselho de curadores da
Fundação Odebrecht e membro da Academia Nacional de Engenharia.
Pode, então, dedicar-se mais à família e às fazendas.
Norberto deixou também a Fundação Odebrecht,
criada em 1965, para projetos educacionais. Em 2013, a fundação
beneficiou 805 comunidades do chamado Baixo Sul da Bahia e investiu
R$ 43,3 milhões.
A educação peculiar de Norberto talvez seja uma
boa pista para entender o homem que criou a "Tecnologia
Empresarial Odebrecht" - os princípios de uma organização
que almeja ser uma "grande empresa com espírito de pequena".
Norberto nasceu no Recife, em 9 de outubro de 1920, filho de Emílio
e Hertha Odebrecht. Quando tinha seis anos, a família mudou-se para
Salvador. Foi com essa idade que começou a ter aulas com seu
preceptor alemão Otto Arnold, que lhe deu uma formação sólida
nos preceitos da ética e da moral luteranas que iriam servir de
base para a filosofia que sustenta o grupo Odebrecht.
Nas aulas ministradas em alemão em longos
passeios pelas ruas de Salvador, Norberto guardou com especial
carinho a lição do pastor Arnold sobre o que chamava de "riqueza
efêmera": a riqueza verdadeira, dizia o preceptor, não existe
sem saúde, ética, trabalho e produtividade.
Quando chegou o momento de ir à escola, Norberto
logo percebeu que não era apenas o idioma - ele falava alemão em
casa -que o separava dos colegas de sua idade. Havia também uma
diferença básica de formação: ele fora educado para servir,
enquanto seus companheiros, vindos das famílias mais abastadas de
Salvador, estavam acostumados a ser servidos.
Numa família com padrões germânicos calcados
na importância do trabalho, não demorou para Norberto dar os
primeiros passos no seu ofício. Começou como pedreiro, aos 14
anos, com os mestres de obra de seu pai. Foram, de certa forma, os
substitutos do pastor Arnold - a passagem das aulas teóricas para a
prática da labuta diária. Nessa escola, ele também aprendeu a ser
ferreiro, serralheiro, armador, chefe de almoxarifado e chefe de
transportes. "Na lide diária, junto com mestres treinados por
meu pai, pude desenvolver o senso de cumprimento do dever e aprendi
a considerar o trabalho como um dom supremo, a capacidade que separa
o homem dos seres irracionais", escreveu num texto sobre as
origens do grupo.
Nessa mistura cultural de ética protestante
ensinada pelo preceptor alemão com as lições práticas do
convívio com os operários nos canteiros de obra, foram gestados os
fundamentos da filosofia empresarial que serviu de alicerce para a
consolidação do grupo.
Nas palavras de seu idealizador, esses
fundamentos são "uma disciplina intelectual voltada para
satisfação dos clientes e a simultânea realização dos seres
humanos. Ela pode ser traduzida como a arte de que se serve o
empresário para coordenar e integrar seus liderados,
potencializando a capacidade de cada um fazer acontecer e imprimir
sua marca pessoal sobre os dados, os fatos e os resultados da vida
empresarial".
Como deixava transparecer em textos e
entrevistas, Norberto prezava acima de tudo o que chamava de
"espírito de servir", algo que os líderes precisam
conquistar com dedicação de tempo, presença, experiência e
exemplo a suas equipes. Na sua acepção, o espírito de servir "é
o sopro necessário para que se possa viver dinamicamente em direção
ao futuro, é o que oxigena o sangue, agiliza o fluxo e o refluxo da
vida em uma empresa". Seu compromisso, afirmava, sempre foi com
o futuro. Cumpriu a sua meta sem nunca esquecer de seu passado.
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