Morrer na praia::
Rubens Ricupero é jurista e diplomata brasileiro com proeminente atividade de economista. Foi Ministro da Fazenda de 30 de março a 6 de setembro de 1994, durante o período de implantação do Plano Real
A ameaça ao futuro do Brasil decorre do preço pago por Lula pela ilusória apoteose final e a vitória
A sorte do governo Dilma será decidida nos primeiros meses porque no Brasil o curto prazo é muito mais problemático do que o longo. As perspectivas das próximas décadas são mais propícias do que jamais foram no passado, tanto no cenário internacional como nas mudanças estruturais internas. O desafio é chegar lá e não se afogar na praia.
Quatro tendências profundas mudaram para melhor o futuro brasileiro: o fim da explosão demográfica, o término do crescimento selvagem das cidades, a passagem de situação de escassez para abundância de energia (pré-sal, bioenergia) e a consolidação como exportador de peso em mais de doze commodities importantes.
A deriva do eixo econômico mundial em direção à China e à Ásia assegura, por sua vez, demanda forte em volume e preço para a energia e as matérias primas que o país tiver para exportar, sem ter de depender da provável saída da crise por parte dos Estados Unidos, da Europa e industrializados.
O que ameaça esse futuro não vem de fora, mas de dentro: o preço pago por Lula pela ilusória apoteose final e a conquista da sua vitória eleitoral.
Esse custo se expressa em quatro números fatídicos: inflação de mais de 6%; dólar a R$ 1,60; deficit em conta corrente de mais de R$ 50 bilhões (2,5% do PIB); superavit primário de menos de 1% do PIB (descartando a contabilidade criativa).
A inflação é inaceitável, afirma a presidente, como se falasse de uma hipótese. De que forma qualificar então o que os índices revelam? Os preços em elevação não só de alimentos, mas de serviços pressionados por mercado de trabalho apertado, a falta de mão de obra, aumentos salariais acima da inflação, consumo e crédito superaquecidos, corrosão do salário real pelo encarecimento da vida configuram o quadro clássico de inflação em alta em qualquer texto de economia.
A fim de completar os sintomas de curto prazo perigoso, os números indicam a deterioração acentuada da taxa cambial, do rombo das contas externas e do deficit do orçamento.
O discurso oficial demonstra consciência da ameaça. Como o governo atual é em boa parte a continuação do anterior, até nas mesmas pessoas, é natural certo constrangimento em admitir excessos passados nos gastos de custeio e erros na calibragem do estímulo ao consumo e ao crédito.
O país não levou a mal esse pecado venial. Tanto assim que as palavras da presidente cumpriram a primeira tarefa de qualquer governo iniciante: dissiparam os medos e geraram um sentimento geral de boa vontade.
A segunda tarefa, construir a confiança, é mais árdua, pois depende de ações acertadas.
Dessas ações que definirão o destino do governo, a principal se refere não só à melhoria na qualidade dos gastos governamentais, mas à sua efetiva redução: corte não na água (despesas postas no orçamento para serem riscadas), mas para valer.
É ela a chave de tudo o mais: do equilíbrio do orçamento, da diminuição da dívida bruta, da redução do juro real e, por consequência, de retorno a câmbio e contas externas saudáveis.
Se passar nesse teste, a presidente Dilma terá tudo para levar o país mais perto de seu futuro, como desejamos a ela e a nós neste início de ano e de governo.
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