Na política brasileira, não há como garantir uma gestão
eficiente das estatais – e sem falar de corrupção.
ARTIGO - Carlos Alberto Sardenberg
ARTIGO - Carlos Alberto Sardenberg
Não é por nada, não, mas se a gente pensar seriamente na
história recente da Petrobras, sem paixões e sem provocações, vai acabar caindo
na hipótese maldita, a privatização.
A estatal teve bons momentos, colecionou êxitos, acumulou
tecnologias e formou quadros. Mas, sempre que isso aconteceu, não foi porque se
tratava de uma estatal. A companhia foi bem sempre que agiu como petrolífera,
digamos, normal, quase independente.
Já quando foi mal, como vai hoje, a causa é evidente: a
condição de estatal.
Radicalizando, poderia se dizer que, quando a Petrobras
funciona, consegue isso apesar de ser estatal. Mas todos sabemos que há
petrolíferas estatais muito bem-sucedidas pelo mundo afora.
Como também há outras simplesmente desastrosas, e, como a
própria Petrobras alternou períodos positivos e negativos, a questão é: como
uma estatal pode fracassar?
A resposta está diante de nossos olhos. Trata-se do pecado
mortal da politização, que se manifesta de duas maneiras complementares: a
nomeação de diretores e chefes não por sua competência e sua história na
empresa, mas pela filiação política ou sindical; e a definição dos objetivos e
meios da empresa não por análises econômicas, e sim pela vontade dos
governantes e das forças políticas no poder.
Não é preciso pesquisar nada para se verificar que a
Petrobras caiu nesses dois buracos nos governos Lula e Dilma. A disputa pelos
diversos cargos da companhia tornou-se pública, com os partidos e grupos
reclamando abertamente as posições de que se julgavam merecedores. Lula, em
entrevista formal, contou o quanto interferiu no comando da estatal, levando-a
a ampliar projetos de investimentos claramente incompatíveis com as
possibilidades da empresa e as condições do mercado.
Foi a atual presidente da Petrobras, Graça Foster, quem
admitiu o irrealismo daqueles planos. E também o ex-presidente da Agência Nacional
de Petróleo, Haroldo Lima, reconheceu que a vontade de Lula prevaleceu sobre os
argumentos técnicos na definição das regras para a exploração do pré-sal.
Ora, isso demonstra que a blindagem montada no governo FHC
simplesmente não funcionou. Em 1997, por emenda constitucional o monopólio do
petróleo foi transferido da Petrobras para a União. A partir daí, a União
passou a leiloar os direitos de exploração dos poços, abrindo a disputa para
empresas privadas nacionais e estrangeiras. A Petrobras passou a competir no
mercado.
Para garantir a despolitização, o governo estabeleceu regras
de governança para a estatal e criou a tal Agência Nacional de Petróleo, órgão
independente, administrado por diretores técnicos, com mandatos, encarregada de
organizar e fiscalizar o setor de petróleo, gás e outros combustíveis.
Parecia um bom arranjo. O presidente da República indicava
os diretores das agências, mas respeitando critérios de conhecimento técnico e
experiência, que seriam checados pelo Senado, responsável pela aprovação final
dos indicados.
Isso não eliminava as decisões dos políticos eleitos pelo
povo. Como acionista majoritário da Petrobras, por exemplo, o governo federal
poderia determinar a estratégia da companhia no Conselho de Administração, como
acontece em qualquer grande empresa. Mas a execução tinha de ser feita
tecnicamente, mesmo porque a empresa havia perdido o monopólio e precisava
competir.
O que aconteceu no governo Lula? O Senado, como faz nos
outros casos, simplesmente tornou-se um carimbador de indicações para a
diretoria da ANP, assim como para as demais agências reguladoras. Os partidos
passaram a lotear abertamente esses cargos. No governo Dilma, o Senado negou
uma única indicação, e por um péssimo motivo. Tratava-se de um quadro competente,
mas os senadores da maioria queriam mandar um recado para a presidente, colocar
um obstáculo para cobrar uma fatura.
Tudo considerado, o que temos? As regras de governança e o
sistema de agências atrapalharam um pouco, deram mais trabalho aos governos
Lula e Dilma, mas não impediram que se politizasse inteiramente a companhia e o
setor.
A crise dos royalties é uma consequência disso. Também os
cinco anos sem leilão de novos poços, o que atrasou a exploração do óleo. E
isso levou o Brasil a ser cada vez mais dependente da importação de óleo e
combustíveis, ao contrário do que dizia a propaganda oficial do governo Lula.
Sim, a nova presidente da Petrobras tem feito alguma coisa
para levar a companhia a uma atuação mais técnica. Mas são evidentes as suas
limitações.
O PSDB ataca a gestão petista na Petrobras e diz que, no
governo, faria a “reestatização” da companhia. Ou seja, voltaria ao sistema da
era FHC.
Nada garante que isso garantiria despolitização. Na verdade,
a história recente prova o contrário: na política brasileira, não há como
garantir uma gestão eficiente das estatais — e sem falar de corrupção.
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