Por FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Não é preciso muita imaginação, nem entrar em pormenores, para nos
darmos conta de que atravessamos uma fase difícil no Brasil. Mas
comecemos pelo plano internacional.
Os acontecimentos abrem cada vez maiores espaços para a afirmação de
influências regionais significativas. O próprio “imbróglio” no Oriente
Médio, do qual os Estados Unidos saem com cada vez menos influência na
região, aumenta a capacidade de atuação das monarquias do Golfo, que têm
dinheiro e querem preservar seu autoritarismo, assim como a do Irã, que
lhes faz contraponto. A luta entre wahabitas, xiitas e sunitas está por
trás de quase tudo. E a Turquia, por sua vez, encontra brechas para
disputar hegemonias.
Enquanto isso, nós só fazemos perder espaços de influência na América
do Sul. Nossa diplomacia, paralisada pela inegável simpatia do
lulopetismo pelo “bolivarianismo”, ziguezagueia e tropeça. Ora cedemos a
pressões ilegítimas (como a recente da Bolívia, que não dava
salvo-conduto a um asilado em nossa embaixada), ora nós próprios fazemos
pressões indevidas, como no caso da retirada do Paraguai do Mercosul e
da entrada da Venezuela. Ao mesmo tempo fingimos não ver que o “Arco do
Pacífico” é um contrapeso à inércia brasileira. Diplomacia e governo sem
vontade clara de poder regional, funcionários atordoados e papelões por
todo lado ─ é o balanço.
Na questão energética, que dizer? A expansão das usinas está atrasada
e sem apoio real do setor privado, salvo para construir as obras. Os
caixas das empresas elétricas quebradas, graças a regulamentações que,
mesmo quando necessárias, se fazem atropeladamente e sem olhar para os
interesses de longo prazo dos investidores e dos consumidores. A
Petrobrás, agora entregue a mãos mais competentes, mergulhada numa
incrível escassez de créditos para investir e com o caixa abalado pela
contenção do preço da gasolina. O que fora estrepitosamente proclamado
pelo presidente Lula, a autossuficiência em petróleo, se esfumou no
aumento do déficit das importações de gasolina. Agora, com a revolução
americana do gás de xisto, quem sabe onde irá parar o preço de
equilíbrio do petróleo para ser extraído do pré-sal?
Na questão da infraestrutura, depois de uma década de atraso nos
editais de concessão de estradas e aeroportos, além das tentativas mal
feitas, o governo inovou: fazem-se privatizações, disfarçadas sob o nome
de concessões, com oferta de crédito barato pelo governo às empresas
privadas interessadas. Dinheiro, diga-se, do BNDES (com juros
subsidiados pelo contribuinte) e, ainda por cima, o governo se propõe a
levar para a empreitada os bancos privados. Sabe-se lá que vantagens
terão de lhes ser oferecidas para que entrem no ritmo do PAC, isto é,
devagar e mal feito. Nunca se viu coisa igual: concessões que recebem
vantagens pecuniárias e nada rendem ao Tesouro, à moda das ferrovias
cujos construtores receberiam abonos em dinheiro por quilômetro
construído. Só mesmo na Macondo surrealista de Gabriel García Márquez.
Espero que, aqui, a solidão de incapacidade executiva e má gestão
financeira não dure cem anos…
Se passarmos para a gestão macroeconômica, os vaivéns não são
diferentes. A indústria, diziam, não exporta porque o câmbio está
desfavorável. Agora tivemos uma megadesvalorização, de mais de 25%. Se
nada fizermos para reduzir as deficiências e ineficiências estruturais
da economia brasileira, e se o governo não tiver a coragem de evitar que
a desvalorização se transforme em mais inflação, o novo patamar da taxa
nominal de câmbio de pouco adiantará para a indústria. Antes os
governistas se gabavam da baixa de juros (“Ah, esses tucanos, sempre de
mãos dadas com os juros altos!”, diziam). De repente, é o governo do PT
que comanda nova arrancada dos juros. E nem assim aprendem que não é a
vontade do governante que dita regras nos juros, mas muitas vontades
contraditórias que se digladiam no mercado. Olhar no umbigo, isso não.
Já cansei de escrever sobre esses males e outros mais. Das
deficiências no prestar serviços nas áreas de educação, saúde e
segurança a mídia dá-nos conta todos os dias. Dos desatinos da vida
político-partidária, então, nem se fale. Basta ver o último deles, a
manutenção na Câmara de um deputado condenado pelo Supremo e já na
cadeia! Não obstante, dada a amplitude dos desarranjos, parece
inevitável reconhecer que a questão central é de liderança. Não digo
isso para acusar uma pessoa (sempre o mais fácil é culpar o presidente
ou o governo) ou algum partido especificamente, embora seja possível
identificar responsabilidades. Mas é de justiça reconhecer que o
desencontro, o bater de cabeças dentro e entre os partidos, faz mais
zoeira do que gera caminhos. Daí que termine com uma pergunta ingênua:
será que não dá para um mea culpa coletivo e tentar, mantendo as
diferenças políticas, e mesmo ideológicas, perceber que quando o barco
afunda vamos todos juntos, governo e oposição, empregados e
empregadores, os que estão no leme e os que estão acomodados na popa?
É preciso grandeza para colocar os interesses de longo prazo do povo e
do país acima das desavenças e pactuar algumas reformas (poucas, não
muitas, parciais, não globais) capazes de criar um horizonte melhor,
começando pela partidário-eleitoral (já que o ucasse presidencial nessa
matéria não deu certo, como não poderia dar). Se os que estão à frente
do governo não têm a visão ou a força necessária para falar com e pelo
País, pelo menos a oposição poderia desde já cessar as rixas internas a
cada partido e limar as diferenças entre os partidos. Só assim, formando
um bloco confiável, com visão estratégica e capaz de seguir caminhos
práticos, construiremos uma sociedade mais próspera, decente e equânime.
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