Pimenta nos olhos
Por Carlos Brickmann
A espionagem americana era intolerável, tanto que a presidente Dilma
cancelou a visita ao presidente Obama. Mas a espionagem do Brasil é boa e
desejável, tanto que os brasileiros que vazaram sua existência serão
severamente punidos, segundo nota do Governo. “O vazamento de relatórios
classificados como secretos constitui crime”, informa Brasília.
Snowden, aqui como lá, iria a julgamento.
O Governo brasileiro tem razão nos dois casos; e não tem razão em
nenhum dos dois. A espionagem deve ser combatida, deve haver protestos
diplomáticos; mas sabendo-se que quem combate a espionagem também a faz.
É dupla moral, sim. Faz parte do jogo internacional. Espionagem é um
fato da vida: existiu, existe e continuará existindo, entre inimigos e
amigos. Há que proteger-se, há que evitá-la, sabendo que sempre
existirá. Há que monitorar amigos e inimigos, sabendo que, se
descobrirem, haverá protestos e encenações de grande indignação. Só não
se pode levar a sério as promessas de que essas coisas agora vão mudar.
Às vezes, espionar é vital. Richard Sorge, jornalista alemão a
serviço da União Soviética no Japão, soube que a Alemanha declararia
guerra a Moscou; Stalin não acreditou nele e foi surpreendido. Mais
tarde, Sorge informou que o Japão não atacaria a URSS, permitindo que as
tropas soviéticas fossem deslocadas para a frente alemã. Alguém
acredita que algum país possa desistir dessas informações? O Brasil
também as quer, claro.
Só não precisava passar pelo ridículo de ficar bravo com a espionagem de lá e com os vazadores da espionagem daqui.
Final infeliz
Richard Sorge foi capturado pelos japoneses, que o ofereceram à URSS em troca de espiões presos pelos soviéticos. Moscou rejeitou a proposta, alegando que nem sabia quem era aquele senhor. Sorge foi enforcado. Vinte anos depois, foi-lhe outorgado o título (merecido) de Herói da União Soviética.
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