segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O extermínio dos Romanov


“Lênin era absolutamente indiferente ao sofrimento humano e não hesitava em ordenar as medidas mais selvagens para se vingar.” (Helen Rappaport)

Que o comunismo ainda consiga adeptos em pleno século 21 é um mistério, mas mais absurdo ainda é essa ideologia ser vista como nobre em sua origem. Muitos condenam o chamado “socialismo real” para proteger a utopia igualitária defendida por gente como Lênin, como se o comunismo tivesse se degenerado com o tempo. Mas o fato é que, desde sua concepção, aqueles atraídos pelo comunismo sempre foram os mais ressentidos. Os bolcheviques anunciaram que havia chegado a hora de fazer “a burguesia passar fome”. O próprio Lênin alimentava um ódio pela morte de seu irmão em 1887, enforcado por ter se envolvido em uma conspiração para assassinar o czar. A máscara do altruísmo foi usada pelos bárbaros em busca de vingança, sangue e violência.
Existem inúmeros casos que podem ser citados para corroborar com esta afirmação, mas poucos concentram tão bem esse lado negro do comunismo como o assassinato da família Romanov após a tomada de poder pelos bolcheviques. A historiadora Helen Rappaport, especialista em história russa, fez uma pesquisa minuciosa, relatada no livro “Os últimos dias dos Romanov”, sobre esse evento sombrio. O grau de detalhes contido no livro é impressionante, e ao mesmo tempo assustador. A frieza dos líderes bolcheviques fez com que as vítimas não fossem vistas como seres humanos, mas sim como representantes de uma classe política que deveria ser eliminada. Até mesmo as crianças eram apenas uma “instituição” a ser extirpada do jogo político para sempre.
Naturalmente, o destino dos Romanov não inocenta o governo autocrático de Nicolau, um czar tolerante à repressão violenta aos rebeldes. Mas nada justifica a forma com a qual os bolcheviques, liderados por Lênin, trataram a família durante a fase de consolidação do poder. O império de Nicolau estava bastante impopular devido à miséria agravada pela guerra. A imagem negativa de Alexandra, esposa de Nicolau, não ajudava; sua forte ligação com o manipulador Rasputin era motivo de insatisfação popular. O “homem santo” desfrutava da confiança da czarina pois Alexandra jurava que somente ele era capaz de cuidar da doença de seu filho hemofílico. Ainda assim, o povo russo, em geral, não compartilhava do mesmo ódio que os bolcheviques. Tanto que a prisão domiciliar de dezesseis meses da família e seu desfecho trágico tiveram que ser mantidos em sigilo, pois os bolcheviques sabiam o quão impopular seriam seus atos se viessem à tona.
O relato de Rappaport mostra uma família bastante comum durante o período confinada em uma casa em Ecaterimburgo, na Sibéria. O desespero frente às incertezas de seu destino fez com que a família imperial buscasse na fé religiosa a força para resistir. Seu cotidiano era basicamente preenchido com leitura e orações, uma vez que o confinamento dentro da casa era total. As janelas haviam sido pintadas e um muro de paliçada fora erguido para impedir a visão dos ilustres prisioneiros. Do lado de fora, reinava um clima de guerra civil, com a fome se espalhando após as medidas bolcheviques. As pessoas estavam sendo presas indiscriminadamente, e, com prisões lotadas, os hotéis e fábricas foram usados como locais de confinamento. Nesse tenebroso contexto, uma família buscava, unida, manter a esperança no futuro. Mas os bolcheviques tinham em mente um destino diferente para a dinastia dos Romanov.

Planos para resgatar o czar foram elaborados, mas Nicolau se recusava a ser salvo deixando para trás sua família. E resgatar todos, incluindo suas quatro filhas e seu primogênito doente, parecia tarefa quase impossível. Aceitando seu destino com resignação, Nicolau aguardaria aquilo que Deus tivesse preparado para sua vida. Ele não sabia que era Lênin, o diabo em pessoa, quem dava as cartas. Lênin considerava o regicídio uma necessidade, e julgamentos transparentes não passavam de uma besteira burguesa. Os bolcheviques jogavam no tudo ou nada, e quaisquer meios eram aceitáveis para seus fins. Trotski chegou a afirmar: “À nossa frente está a vitória total ou a ruína absoluta”. A palavra preferida dos bolcheviques era “aniquilação”: da propriedade privada, da monarquia, da religião, dos costumes burgueses etc. A palavra se tornou um eufemismo empregado pelos bolcheviques quando se referiam a assassinar seus oponentes, ou até para justificar uma extensa limpeza social.
Exterminar a família Romanov inteira não era algo politicamente tão simples assim. Lênin desejava colocar um fim na dinastia, mas não sabia como fazer isso sem manchar seu nome. Além disso, uma coisa era matar o czar, mas outra completamente diferente era eliminar a família toda, incluindo as crianças. Os líderes bolcheviques teriam que manter isso em segredo de Estado, ocultando os fatos principalmente dos estrangeiros. Apenas a lógica política era levada em conta pelos bolcheviques. Questões humanísticas não tinham espaço em suas reflexões. Como Trotski afirmaria mais tarde, “a família do czar foi vítima do princípio que compõe o próprio eixo da monarquia: a herança dinástica”. Diferente da Revolução Francesa ou da revolução de Cromwell, não bastava cortar a cabeça do rei; era preciso cortar “uma centena de cabeças Romanov”. Na verdade, o número foi infinitamente maior que este.

Os momentos finais da família Romanov são contados com riqueza de detalhe por Rappaport. Trata-se de uma cena digna de filme de terror. A família foi acordada no meio da noite e colocada num quarto escuro no subsolo da casa que funcionava como sua prisão. Foi dito aos Romanov que se tratava de uma mudança de endereço, pois estava perigoso demais permanecer naquele local. Yurovsky, que era muito próximo de Lênin e estava no comando da operação, leu um trecho da mensagem que selava o destino da família. Então, após a perplexidade do czar, o bolchevique sacou sua arma, deu um passo à frente e atirou no peito de Nicolau à queima-roupa. Em seguida, os demais bolcheviques encarregados da chacina abriram fogo no apertado cômodo escuro, fuzilando cada membro da família, incluindo o médico do czar.
Os tiros deixaram uma névoa que tornava a visão ainda mais difícil, e os gemidos vinham de toda parte. Os assassinos tiveram que golpear os corpos com a baioneta para finalizar o serviço, descarregando todo seu ódio. Nenhuma das filhas teve morte rápida ou pouco dolorosa. “Foram necessários vinte minutos de atividades frenéticas para matar os Romanov e seus serventes”, conforme explica Rappaport. Ela completa: “O que deveria ter sido uma execução limpa e rápida se transformou em um banho de sangue”. Não menos fria foi a tarefa de se livrar dos corpos na floresta depois, ateando fogo neles. Lênin tomou o devido cuidado de apagar qualquer registro oficial que ligasse seu nome a este ato bárbaro e covarde cometido pelos bolcheviques sob o comando de seu camarada Yurovsky, subalterno de sua extrema confiança.
Helen Rappaport resume a situação: “A execução a sangue-frio das crianças Romanov, junto com a tentativa de promover um extermínio sistemático de toda a dinastia, foi o teste final para a imoralidade da política bolchevique”. E pensar que até hoje há quem acredite que o comunismo é uma utopia nobre que atrai pessoas altruístas em busca de justiça e de um mundo melhor, e não bárbaros ressentidos procurando dar vazão ao seu ódio e sua pulsão de morte.

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