Direto ao Ponto
Por Augusto Nunes
Em 30 de outubro de 2007, assim que a Fifa
anunciou oficialmente a escolha do anfitrião da Copa de 2014, o
presidente Lula resolveu animar a festança em Zurique com mais uma
discurseira triunfalista. “Vocês verão coisas lindas da natureza e nossa
capacidade de construir bons estádios”, vangloriou-se com sete anos de
antecedência o camelô de bazófias e gabolices. “Os investimentos em
infraestrutura deixarão um legado de melhoria nas condições de vida do
nosso povo.Vamos fazer uma Copa para argentino nenhum botar defeito”.
A menos de um semestre do início da competição, muitas arenas padrão
Fifa nem foram concluídas e já estão condenadas a agonizar como
elefantes brancos no minuto seguinte ao último apito. Os monumentos à
modernidade que fariam do País do Futebol um campeão da mobilidade
urbana encalharam na garganta de Lula ou dormem na imaginação de Dilma
Rousseff. O trem-bala e o terceiro aeroporto de São Paulo, por exemplo,
jazem no cemitério das fantasias eleitoreiras que o padrinho criou e a
afilhada não para de ampliar. E boa parte do mundaréu de obras
prometidas pelos fundadores da potência emergente sucumbiu ao raquitismo
congênito.
Nesta quarta-feira, um editorial da Folha reiterou que o
“legado da Copa” é só a vigarice mais recente (e uma das mais
perdulárias forjadas pelos vendedores de vento. Dos 56 projetos
divulgados com pompas e fitas em 2010, sobraram 39. O volume de
investimentos baixou de 15,4 bilhões para 7,9 bilhões. Conjugadas, a a
falta de dinheiro e incompetência de sobra adiaram para quando Deus
quiser novas linhas de metrô, monotrilhos, estradas, avenidas, trens
metropolitanos, reparos nas malhas viárias, reformas em aeroportos ou
corredores de ônibus, fora o resto. Como preveniu o comentário de 1 minuto para o site de VEJA, o legado da Copa pode acabar resumido à apresentadora Fernanda Lima, .
Não foi por falta de aviso que o fiasco se materializou. Em julho de
2010, por exemplo, um repórter quis saber de Jerôme Valcke como andavam
os preparativos para a Copa do Brasil. “Falta tudo”, resumiu o
secretário-geral da Fifa. “Tudo”, repetiu, com cara de quem acabou de
descobrir que lidara havia três anos com tratantes e ineptos.
Surpreendido pelo pontapé na canela, Lula tentou um carrinho por
trás. ”Terminou uma Copa do Mundo na África do Sul agora e já começam
aqueles a dizer: ‘Cadê os aeroportos brasileiros? Cadê os estádios
brasileiros? Cadê os corredores de trem brasileiros? Cadê os metrôs
brasileiros?’ Como se nós fôssemos um bando de idiotas que não
soubéssemos fazer as coisas e não soubéssemos definir as nossas
prioridades”.
O troco desmoralizante viria em março de 2012, quando Valcke afirmou
que os organizadores da Copa mereciam um chute no traseiro: talvez assim
começassem a trabalhar direito. O descompromisso do supercartola com as
boas maneiras escancarou o descompromisso da turma no poder com a
verdade ─ e comprovou que os governos lulopetistas não sabem mesmo
“fazer as coisas” nem “definir as nossas prioridades”. As perguntas
desdenhadas pelo palanque ambulante na réplica a Valcke continuavam (e
continuam) implorando por respostas. (Como imploram por investigações os
incontáveis casos de polícia envolvendo negociatas bilionárias,
contratos superfaturados e procissões de propinas).
Inauguradas no Dia da Criação, só escaparam do atraso irresponsável
“as coisas lindas da natureza”. Mas o arquivamento dos projetos
vinculados a três cartões postais do Rio sugere que não serão vistas tão
facilmente as maravilhas evocadas por Lula na Suiça. O Corcovado está
onde sempre esteve. Só que a modernização do trenzinho foi adiada para
2015. O tempo de espera na fila do bondinho do Pão de Açúcar não será
inferior ao de viagens aéreas intercontinentais. E convém contemplar de
longe a baía de Guanabara devastada pela poluição.
É compreensível que Lula, Dilma, Aldo Rebelo, Ricardo Teixeira e
outros festeiros de 2007 não tenham dado as caras na cerimônia de
entrega do troféu Bola de Ouro, em Zurique, durante a qual a Fifa
homenageou o anfitrião do próximo Mundial. A cinco meses do jogo de
abertura, a turma do carnaval temporão em Zurique sabe o que é sabido
até pela grama do Maracanã: a Copa que faria meia Argentina morrer de
inveja pode matar de vergonha e indignação o Brasil que presta.
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