Marcos Troyjo *
Nesses
últimos três anos, o Brasil de Dilma foi despertado de um sonho bom.
Governo e sociedade vêm tendo de encarar uma dura realidade: ao
contrário do que supunham, o Brasil não criou fórmula miraculosa unindo
alto crescimento à inclusão social.
Não
há no País pilares de um novo modelo de desenvolvimento. Dada a baixa
poupança interna, o Brasil continua a depender de grande influxo de
capitais financeiros e também de investimentos estrangeiros diretos
(IEDs). Por isso o tapering (diminuição de estímulos monetários nos EUA)
e a própria retomada da expansão nos países da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico) causam apreensão no governo
brasileiro.
Sem
a certeza de um crescimento automático e inevitável, ilusão alimentada
pela cúpula do governos Lula-Dilma durante o período em que o País era o
“queridinho dos mercados” e só recebeu a “marolinha” da crise de 2008, o
Brasil começou a descer do salto alto. Daí Dilma, notadamente
desinteressada em temas internacionais, ter optado por ir a Davos.
Muitos
dos fatores que permitiam tal entusiasmo foram perdendo verniz.
Perspectivas de biocombustíveis e petróleo pré-sal não são mais tão
animadoras. A governança e planejamento do setor energético brasileiro
estão à deriva. Efeitos da expansão do crédito e consumo não têm mais
caráter tão multiplicador. O apetite da China por commodities em que
temos vantagens comparativas não parece mais tão pantagruélico. Além
disso, em razão dos conhecidos problemas logísticos brasileiros, os
chineses têm buscado diversificar seu quadro de fornecedores.
Assim, foram quatro os pontos nevrálgicos em relação ao que a comitiva brasileira tinha a dizer:
1) Protestos.
Isso é da democracia, e Dilma o ressaltou bem em seu discurso. A
apreensão no entanto permanece em relação ao que pode acontecer durante a
Copa do Mundo.
2) Mudança no panorama internacional da liquidez.
Dilma também mencionou isso e sublinhou os mais de US$ 370 bilhões de
nossas reserva cambiais. Muito do que se espera do afrouxamento da
política monetária dos EUA nos próximos meses já foi precificado e
incorporado ao atual patamar do câmbio no Brasil (e a depreciação dos
últimos dias reflete os efeitos colaterais do que está acontecendo na
Argentina).
3) Gestão da política econômica.
O Brasil ainda vai sofrer por algum tempo os efeitos dessa combinação
de afastamento do tripé, microgestão das concessões, custosos equívocos
na política industrial (as tais de "campeãs nacionais"), além do peso
fiscal dos incentivos setoriais e do gigantismo da folha de pagamento.
Aqui, os números não batem com o discurso de Dilma. Além disso, do ponto
de vista comercial, o País está sem bloco. O Mercosul converteu-se numa
plataforma de empatias políticas, e o Brasil não negociou acesso aos
principais mercados compradores do mundo. Sua ênfase nas negociações
multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC)
mostrou-se ingênua, dada a inoperância e lentidão da entidade. Toda
esses erros de política exterior no campo econômico hoje têm perceptível
impacto negativo nas contas externas.
4) Reformas estruturais.
Esta foi a parte mais decepcionante do discurso de Dilma. Nada falou
sobre reforma tributária, trabalhista ou de seguridade social. Em termos
de melhora do ambiente de negócios, Dilma anunciou apenas a
implementação do portal "Empresa Simples", que prevê a redução para 5
dias do tempo médio para se abrir uma empresa. Embora importante, esse
tipo de medida favorece sobretudo empresas de pequeno porte. Pouco
interessa ao tipo de empresário/investidor que frequenta Davos. Estes
sofrem por custos diretos e indiretos da bizantina legislação
trabalhista e fiscal no País. Têm de contratar verdadeiros exércitos de
contadores e advogados, em vez de gente voltada à atividade fim da
empresa. Mesmo quando mencionou a necessidade de “mudanças” num painel
sobre Brics, o Ministro da Fazenda Guido Mantega elaborava mais em
termos conceituais do que sobre um plano de trabalho a ser efetivado nos
próximos meses. Talvez tenha buscado sugerir algumas pistas do que
seria a orientação no segundo governo Dilma, mas a probabilidade desse
processo iniciar-se neste ano, ainda mais por razões eleitorais, é
nenhuma.
O
marco maior da conjuntura do Brasil no mundo é que o País está poupando
e investindo menos que os 22% do PIB – média da América Latina. Esta,
por seu turno, já é muito inferior ao percentual de investimentos do
Sudeste Asiático. O Brasil não conseguirá investir mais sem quebrar
vários ovos nas áreas, trabalhista, fiscal e de seguridade social.
Dilma
não parece ter gosto ou mesmo vocação para liderar reformas. Seu
presidencialismo de coalisão está mais a serviço do projeto de sua
perpetuação no Planalto do que orientado à modernização institucional do
país. Assim, o Brasil de
Dilma utilizou Davos essencialmente para apresentar relatório de
realizações, vocalizar compromisso com alguma ortodoxia macroeconômica,
elencar fronteiras móveis de consumo e sublinhar a continuação do
programa de concessões.
No
limite, a ida a Davos evidencia que Dilma e equipe se convenceram de
que o Brasil também precisa ser vendido, e não simplesmente comprado.
Estão se dando conta de que o cenário global mudou. E ele não é
favorável às escolhas “desglobalizantes” feitas pelo País nos últimos 11
anos em termos de comércio e investimento. Assim, antes encastelada no
isolamento seguro de suas convicções sobre os rumos supostamente
alvissareiros do País, Dilma fez da viagem uma espécie de “Busca do
Tempo Perdido”. Não representou, contudo, um divisor de águas. Nada se
aventou da indispensável agenda de reformas estruturais.
Em
vez de desilusão ou entusiasmo, a resposta do "Homem de Davos" à
passagem da comitiva brasileira pelos Alpes provavelmente é apenas
apertar o botão de "pausa". Em termos de construção do futuro, o Brasil
está imobilizado até 1º. de janeiro de 2015.
Por Marcos Troyjo, economista e cientista social, é professor da Universidade Columbia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário